Olhando para a embalagem de um alimento você consegue dizer se tem alto teor de açúcar, gordura ou sódio? Ou ainda quantas calorias ele tem? Seria capaz de comparar dois produtos e saber qual é melhor para a sua saúde? Tornar a leitura dos rótulos mais simples e ajudar o consumidor a fazer escolhas mais saudáveis é o objetivo de um trabalho que está sendo desenvolvido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com a participação de representantes da área de saúde, da academia, da indústria e de órgãos de defesa do consumidor. Toda essa discussão tem como pano de fundo o fato de, hoje, mais da metade da população brasileira estar com excesso de peso (53,8%), segundo dados do Ministério da Saúde.
Vários modelos de rotulagem estão sendo estudados pela agência. Entre eles, o apresentado pela Associação Brasileira da Indústria da Alimentação (Abia), o adotado pelo Chile, o desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e o da Fundação Ezequiel Dias (Funed). As discussões, que começaram em 2014, serão retomadas neste semestre, e as propostas serão submetidas aos consumidores brasileiros através de pesquisas.
A mudança dos rótulos de alimentos, segundo a Anvisa, é uma prioridade. No entanto, ainda não foi batido o martelo sobre quando o novo padrão de rotulagem deve ser implementado. As regras para rotulagem já têm cerca de 15 anos — resolução 259/2002 e 360/2003. Desde então, diz a agência, o cenário epidemiológico brasileiro mudou, assim como aumentaram a oferta e o consumo de alimentos industrializados.
Entidades defendem advertência clara
Para a endocrinologista e presidente da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), Maria Edna de Melo, não se pode mais protelar a mudança.
“Essa medida terá um impacto sobre todos os alimentos industrializados que não devem ser consumidos em excesso. Ela conscientiza o consumidor “, destaca a médica, que defende que as advertências estejam na parte frontal da embalagem, como já acontece no Chile.
A rotulagem frontal é fundamental na visão do Idec, que a partir dos modelos chileno e equatoriano, desenvolveu um novo padrão, em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR), que já tem o apoio de 19 entidades, além das chefs Bela Gil e Rita Lobo. Ele estabelece como parâmetro para os teores de sódio, gordura e açúcar os critérios estabelecidos pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), baseados nas recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS).
“Entendemos que esses são os critérios mais adequados em relação à realidade que a gente vive de aumento das doenças crônicas, como obesidade, diabetes e hipertensão, por conta de uma alimentação inadequada. O objetivo principal da rotulagem frontal é permitir ao consumidor fazer escolhas alimentares mais saudáveis e identificar com facilidade os alimentos que deve evitar”, ressalta Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Idec.
A proposta do instituto consiste em triângulos pretos com a borda branca para que a informação se destaque na frente da embalagem. A informação frontal também é defendida pela Associação Brasileira de Nutrição (Asbran), que participa de grupos de trabalho na Anvisa.
“Os primeiros modelos de rotulagem nutricional frontal foram adotados no fim dos anos 1980 e estão em plena proliferação pelo mundo. A adoção no Brasil representaria uma evolução na regulação”, diz Carolina Chaves, diretora da Asbran.
Paula Johns, diretora executiva da ACT Promoção da Saúde (ONG voltada ao controle do tabagismo e doenças crônicas), reforça que mudar o modelo é urgente, pois as pessoas simplesmente não entendem os rótulos:
“Muitos rótulos trazem, na parte frontal, uma série de alegações enganosas, inclusive de que os produtos fazem bem à saúde. Por isso, advertências frontais e de fácil identificação são fundamentais para contermos a transição de padrão alimentar que estamos vivenciando no Brasil e em outros países do Hemisfério Sul”.
A diretora da ACT vê com bons olhos tanto o modelo chileno quanto o do Idec:
“Ao se aplicarem os parâmetros recomendados pela Opas para rotulagem frontal, muitas pessoas certamente vão se surpreender em relação a produtos que achavam ser saudáveis”.
Bela Gil reforça que, com rótulos mais simples, as pessoas vão entender melhor o produto e terão mais consciência daquilo que vão consumir:
“Não quer dizer que o alimento vai se tornar mais saudável. Informações claras proporcionam uma mudança de comportamento. As pessoas vão passar a questionar mais e diminuir o consumo daquilo que faz mal à saúde”, avalia a chef e apresentadora, para quem a proposta do Idec é a mais clara e eficiente para levar o consumidor a fazer melhores escolhas.
O movimento “Põe no Rótulo”, que lutou para a inclusão de informações sobre alergênicos nas embalagens, reforça que a padronização do modo de exibir as informações permite comparar em pé de igualdade os produtos no mercado.
“O modelo de rotulagem frontal, adotado no Chile desde 2016, tem se mostrado uma boa maneira de permitir que o consumidor separe o que é publicidade, como light, fit, integral, do que realmente está contido no produto”, afirma Fernanda Mainier Hack, coordenadora do movimento.
Informação por porção pode confundir
Apresentado por representantes das indústrias de alimentos, o modelo de rotulagem semafórica, que consiste em uma imagem de farol nas cores vermelho, verde e amarelo — indicando se o nível de açúcar, sódio e gordura é alto, baixo ou moderado — tem sido criticado por especialistas. Eles ponderam que o modelo pode causar confusão, pela presença de informação contraditória. Quando um mesmo produto tiver sinal verde para o açúcar e vermelho para gordura, por exemplo, o seu risco à saúde pode ser percebido como menor.
“O modelo de semáforo, com ou sem esquema de cores, confunde mais do que informa e tem um tempo de leitura maior”, avalia Paula.
Para o Idec, o padrão proposto pela indústria tem outro agravante: apresentar as mesmas informações da tabela nutricional com uma linguagem numérica, de difícil compreensão.
“Além disso, a sugestão de informação por porção também leva o consumidor ao engano, porque, muitas vezes, o tamanho é calculado de acordo com o interesse da indústria em divulgar mais ou menos quantidade de caloria, sódio e açúcar, e não corresponde ao padrão de consumo”, completa Ana Paula Bortoletto.
A nutricionista do Idec defende que a tabela nutricional seja feita levando em consideração o consumo de 100 gramas e de toda a embalagem. Mariana Claudino, uma das fundadoras do “Põe no Rótulo”, endossa a preocupação de Ana Paula em relação às porções:
“Estas são tão irreais que, se a pessoa consumir metade do pacote, o que muitas vezes acontece, deve multiplicar por cinco, seis vezes o que diz a embalagem para saber o quanto de calorias ingeriu”.
Procurada para comentar o padrão apresentado pela indústria, a Abia não quis se pronunciar.
A proposta da Funed tem foco na tabela nutricional, usando cores para tentar facilitar a compreensão do consumidor. De qualquer forma, Mariana ressalta que seria necessário rever a lista de ingredientes:
“É comum encontramos uma série de “sinônimos” do açúcar em um mesmo produto: maltodextrina, dextrose, xarope de glucose, e a maioria das pessoas não faz a associação. Quando somamos tudo, na prática, o açúcar passa a ser o ingrediente em maior quantidade, só que escondido”.
Paula destaca ainda a dificuldade de leitura: “O modelo de tabela atual precisa de lupa, além de não trazer significado para uma alimentação saudável”.
Fonte: Portal Jornal O Globo